quinta-feira, 21 de julho de 2011

Por Que Não Aceito os Evangelhos Apócrifos


   Vamos iniciar perguntando o que é um “evangelho”. O termo é a tradução da palavra grega euaggelion, “boas novas”, usada a princípio para se referir ao conteúdo da mensagem de Jesus Cristo e dos seus apóstolos. Posteriormente, a palavra veio se referir a um gênero literário específico que nasceu com o Cristianismo no séc. I. Lembremos que o Cristianismo, em termos culturais, ocasionou o surgimento, não somente de novas músicas, mas também de gêneros literários como epístolas e evangelhos.

   Esse novo gênero literário tinha algumas características distintas. Incluía obras escritas entre o séc. I e o séc. IV por autores cristãos que giravam em torno da pessoa de Cristo, sua obra e seus ensinamentos. Essas obras reivindicam autoria apostólica ou de alguma outra personagem conhecida da tradição cristã. Reivindicavam também que seu conteúdo remontava ao próprio Jesus.

   Existem centenas de “evangelhos” conhecidos. Alguns são apenas mencionados na literatura dos Pais da Igreja e deles não temos qualquer amostra do conteúdo. Outros sobreviveram em fragmentos ou reproduzidos em parte em outras obras, como, por exemplo:

  • Evangelho dos Hebreus
  • Evangelho dos Ebionitas (ou dos Doze Apóstolos)
  • Evangelho dos Egípcios
  • Evangelho Desconhecido
  • Evangelho de Pedro, para mencionar alguns.
Já outros, sobreviveram em cópias completas ou quase, como:

  • Os Evangelhos canônicos de Mateus, de Marcos, Lucas e de João,
  • Evangelho de Tomé
  • Evangelho de Judas
  • Evangelho de Nicodemus
  • Proto-Evangelho de Tiago
  • Evangelho de Tomé o Israelita
  • Livro da Infância do Salvador
  • História de José, o Carpinteiro
  • Evangelho Árabe da Infância
  • História de José e Asenate
  • Evangelho Pseudo-Mateus da Infância
  • Descida de Cristo ao Inferno
  • Evangelho de Bartolomeu
  • Evangelho de Valentino, entre outros.
Esses evangelhos são tradicionalmente classificados em canônicos e apócrifos.

Evangelhos Canônicos

   Nessa primeira categoria se enquadram somente 4 evangelhos, os Sinóticos e João. Conforme a tradição patrística e da Igreja em geral, eles foram escritos no séc. I pelos apóstolos de Jesus Cristo ou alguém do círculo apostólico. Marcos teria sido o primeiro a ser escrito, no início da década de 60, por João Marcos, que segundo a tradição, registrou o testemunho ocular de Simão Pedro. Ele escreveu aos cristãos de Roma para ajudá-los e fortalecê-los diante das perseguições.

   Mateus teria sido escrito em meados da década de 60 por Mateus, o publicano apóstolo, para evangelizar os judeus, a partir do seu testemunho ocular e usando talvez o Evangelho de Marcos como base para a estrutura da narrativa.

   Lucas, escrito pelo médico gentio Lucas, convertido ao Cristianismo, que foi companheiro de viagem de Paulo e que freqüentava o círculo apostólico, teria produzido esse evangelho pelo final da década de 60, a partir de pesquisa que fez da tradição oral e escrita que remontava aos próprios apóstolos. Seu objetivo, conforme declaração no início da obra Lucas-Atos, era firmar na fé um nobre romano chamado Teófilo.

   Já o Evangelho de João teria sido escrito pelo apóstolo amado por volta da década de 70 ou 80, com aparentemente vários objetivos, entre eles combater o crescimento do gnosticismo. João escreve a partir de seu testemunho ocular, a partir do seu entendimento acerca da pessoa e da obra de Cristo.

   Esses 4 evangelhos cedo foram reconhecidos pela Igreja cristã nascente como inspirados por Deus e autoritativos, como Escritura Sagrada, visto que seus autores foram apóstolos, a quem Jesus havia prometido o Espírito Santo para os guiar em toda a verdade (Mateus e João), ou alguém proximamente relacionado com eles (Lucas e Marcos). Assim, eles aparecerem em listas importantes dos livros recebidos como canônicos pela igreja, como o Cânon Muratório (170 d.C.), a lista de Eusébio de Cesareia (260-340) e a lista de Atanásio (367).

   Os demais evangelhos, chamados de apócrifos, implicitamente reconhecem a validade do critério canônico da apostolicidade, ao reivindicar para si também a autoria apostólica e o conhecimento de segredos que não foram revelados aos apóstolos.

Evangelhos Apócrifos

   O nome vem do grego apocryphon, “oculto”, “difícil de entender”. Esses evangelhos são geralmente classificados em narrativas da infância de Jesus, narrativas da vida e da paixão de Jesus, coleção de ditos de Jesus e diálogos de Jesus.

   As narrativas da infância mais conhecida são o Proto-Evangelho de Tiago, Evangelho de Tomé o Israelita, o Livro da Infância do Salvador, a História de José, o Carpinteiro, o Evangelho Árabe da Infância, a história de José e Asenate e o Evangelho Pseudo-Mateus da Infância. Entre as narrativas da vida ou paixão de Cristo mais importantes se destacam o Evangelho de Pedro, o Evangelho de Nicodemus, o Evangelho dos Nazarenos, o Evangelho dos Hebreus, o Evangelho dos Ebionitas e o Evangelho de Gamaliel.

   Existem apenas dois que se enquadram na categoria de coleção de ditos de Jesus, o Evangelho de Tomé e o suposto documento Q (quelle, “fonte” em alemão), do qual não se tem prova concreta da existência. Na categoria de diálogos de Jesus com outras pessoas e revelações que ele fez em secreto mencionamos o Diálogo com o Salvador e o Evangelho de Bartolomeu.

   Essas obras são chamadas de evangelhos apócrifos por que não são considerados como obras genuínas, produzidas pelos apóstolos ou pelos supostos autores. Além disso, pretendem transmitir um conhecimento esotérico, oculto, além daquele conhecimento dos apóstolos. Em grande parte, esses evangelhos foram escritos por autores gnósticos com o propósito de difundirem as suas idéias no meio da igreja, usando para isso a autoridade dos evangelhos canônicos e dos apóstolos. Alguns deles foram encontrados século passado em Nag Hammadi, norte do Egito.

   O Proto-evangelho de Tiago, por exemplo, escrito no século II, que descreve o nascimento e a infância de Jesus e a juventude da Virgem Maria, é tipicamente uma tentativa de satisfazer à curiosidade popular em torno de coisas não mencionadas nos evangelhos canônicos. A teologia desse "evangelho" é a de um docetismo popular: Jesus tem um corpo não sujeito às leis do espaço e do tempo. O escrito não tem valor como fonte histórica sobre Jesus.

   Outro exemplo é o Evangelho da Verdade. Esse não é um evangelho no sentido costumeiro da palavra; é antes uma meditação, uma espécie de sermão sobre a redenção pelo conhecimento (gnosis) de Deus. É atribuído ao gnóstico Valentino, que viveu em meados do século II e por conseguinte, não ajuda em nada a pesquisa sobre o Jesus histórico. Na mesma linha vai o Evangelho de Filipe, escrito antes de 350. É, evidentemente, uma compilação de materiais mais antigos. O texto causou certo sensacionalismo quando da sua publicação, porque sugere uma relação amorosa entre Jesus e Maria Madalena. O Evangelho de Pedro – um fragmento que se conservou – descreve o processo contra Jesus, sua execução e sua ressurreição. Sua cristologia é a do docetismo: aquele que sofre e morre é apenas uma aparição do verdadeiro Jesus, que é divino e por isso não pode sofrer e morrer. Conforme esse evangelho, o corpo de Jesus se volatiliza na cruz antes de subir ao céu.

   É preciso dizer que existem vários destes evangelhos apócrifos que foram compostos por autores cristãos desconhecidos, não gnósticos, e que aparentam refletir um tipo de cristianismo popular marginal. A maior parte deles pretende suprir a falta de informação histórica nos evangelhos canônicos, fornecendo detalhes sobre a infância de Jesus, diálogos dele com os apóstolos, informações sobre Maria e demais personagens que aparecem nos evangelhos tradicionais. Em alguns casos, parece que foram escritos para defender doutrinas não apostólicas e que estavam começando a ganhar corpo dentro do Cristianismo, como por exemplo, o conceito de que Maria é mãe de Deus e medianeira. O Proto-Evangelho de Tiago, já do séc. III, explica porque Maria foi a escolhida: por sua virgindade e santidade, e a defende como mãe de Deus e medianeira.

   Alguns contém exemplos morais não recomendáveis. Por exemplo, o Evangelho de Tomé, o Israelita, narra diversos episódios em que o menino Jesus amaldiçoa e mata quem fica em seu caminho. Quase todos são recheados de histórias lendárias e bobas, como o Evangelho de Nicodemus, que narra como José de Arimatéia, Nicodemus e os guardas do sepulcro se tornaram testemunhas da ressurreição de Jesus. É um livro cheio de lendas, fantasias e histórias fantásticas.

   Os evangelhos apócrifos usaram diversas fontes em sua composição: o Antigo Testamento, os próprios evangelhos canônicos e as cartas de Paulo. Usaram também tradições cristãs extra-canônicas, de origem desconhecida e suas próprias idéias e conceitos.

A Atitude da Igreja para com os Evangelhos Apócrifos

   No período pós-apostólico alguns desses Evangelhos chegaram a ser recebidos por um tempo, como leitura proveitosa, como o Evangelho de Pedro, a princípio recomendado por Serapião, bispo de Antioquia em 191 d.C., mas depois, ele mesmo reconhece que ele tem elementos estranhos e o desrecomenda. Assim, nenhum deles jamais foi reconhecido como autêntico e apostólico.

   Desde cedo a Igreja Cristã rejeitou estas obras, pois não preenchiam o critério de canonicidade: não foram escritas pelos apóstolos ou por alguém ligado a eles, contradiziam a doutrina cristã, tinham exemplos e recomendações morais e éticas pouco recomendáveis, e seus autores falsamente atribuíram a autoria aos apóstolos, como por exemplo, o Evangelho de Tomé, de Pedro, de Bartolomeu, de Filipe. Além do mais, suas histórias fantásticas acerca de Cristo claramente revelavam seu caráter especulativo e supersticioso, ao contrário da sobriedade e da seriedade dos evangelhos bíblicos. Não é de admirar, portanto, que eles não aparecem em nenhuma das listas canônicas, onde os 4 evangelhos canônicos aparecem.

   Aqui cabe-nos mencionar o testemunho de Eusébio em sua História Eclesiástica, ao falar do Evangelho de Pedro, Tomé e Matias:

"Nenhum desses livros tem sido considerado digno de menção em qualquer obra de membros de gerações sucessivas de homens da Igreja. A fraseologia deles difere daquela dos apóstolos; e opinião e a tendência de seu conteúdo são muito dissonantes da verdadeira ortodoxia e claramente mostram que são falsificações de heréticos. Por essa razão, esse grupo de escritos não deve ser considerado entre os livros classificados como não autênticos, mas deveriam ser totalmente rejeitados como obras ímpias".
   Essa postura prevaleceu até a Reforma Protestante e o período posterior chamado de ortodoxia protestante. Com a chegada do método histórico-crítico, filho do Iluminismo e do racionalismo, passou-se a negar a autoria apostólica e a inspiração divina dos Evangelhos canônicos. Os mesmos passaram a ser vistos como produção da fé da Igreja, sem valor real para a reconstrução do Jesus histórico. Dessa perspectiva, os evangelhos apócrifos chegaram então a ser considerados como literatura tão válida como os canônicos para nos dar informações sobre o Cristianismo nascente, embora não sobre o Jesus histórico.

O renascimento do interesse pelos evangelhos apócrifos, em particular, os gnósticos.

   A partir da visão crítica defendida pelo liberalismo teológico e pelo método histórico-crítico, em anos recentes os evangelhos escritos pelos gnósticos passaram a receber grande atenção e importância nos estudos neotestamentários das origens do Cristianismo e na chamada busca do Jesus histórico.

   Vários fatos têm contribuído para isso. Primeiro, o surgimento do Jesus Seminar nos Estados Unidos, considerada a 3ª. etapa da busca do Jesus histórico iniciada pelos liberais do século XVIII. Um de seus membros mais conhecidos, cujas obras têm sido traduzidas e publicadas no Brasil é John Dominic Crossan. Em sua obra O Jesus Histórico: A vida de um camponês judeu do mediterrâneo de 1991, ele emprega os apócrifos Evangelho de Pedro e especialmente o Evangelho de Tomé para a reconstrução do Jesus histórico. Segundo Crossan, essas duas obras são mais antigas que os Evangelhos canônicos e contém informações importantes que não foram incluídas em Mateus, Marcos, Lucas e João. Essa atitude de Crossan é característica dos demais membros do Jesus Seminar e de muitos outros eruditos neotestamentários, que aceitam a autoridade dos evangelhos apócrifos, especialmente os gnósticos, acima daquela dos canônicos. Aqui podemos mencionar Elaine Pagels, cuja obra Os Evangelhos Gnósticos, recentemente traduzida e publicada em português, vai nessa mesma direção.

   Segundo, a publicidade e o sensacionalismo da grande mídia em torno da descoberta e publicação dos textos dos evangelhos gnósticos, como o Evangelho de Judas e de Tomé. A mídia tem difundido a teoria de que a Igreja cristã teria ocultado e guarda até hoje outros evangelhos que remontam à época de Jesus e que contradiriam e refutariam totalmente o Cristianismo tradicional e ortodoxo. A veiculação pela mídia vai na mesma linha de propaganda e especulações anticristãs voltadas mais diretamente contra a Igreja Católica Romana e que acaba respingando nos protestantes, especialmente as igrejas históricas. Em 2004 foi o Evangelho de Tomé. Em 2006 foi a vez do Evangelho de Judas ganhar a capa de revistas populares pretensamente científicas. A ignorância dos articulistas, o preconceito anticristão, a busca do sensacionalismo, tudo isso contribuiu para que a publicação do manuscrito copta do Evangelho de Judas recebesse uma atenção muito maior do que a devida. Em 2007 foi a suposta sepultura de Jesus, uma inscrição antiga contendo o nome de Tiago, irmão de Jesus, e outras “descobertas” arqueológicas, fizeram a festa da mídia em anos mais recentes.

   Não se deve pensar que essa atitude é um fenômeno atual. Desde os primórdios do Cristianismo, escritores pagãos como Celso e Amiano Marcelino publicam material atacando as Escrituras e o Cristianismo. Estou acostumado a assistir, anos a fio, a exploração sensacionalista dessas descobertas. Quando da descoberta dos Manuscritos do Mar Morto e das polêmicas e questões inclusive legais que envolveram a tradução e a publicação dos primeiros rolos, a imprensa da época especulava que os Manuscritos representariam o fim do Cristianismo, pois traria informações que contradiriam completamente o Evangelho. Os anos se passaram e verificou-se a precipitação da imprensa. Os rolos na verdade tiveram o efeito contrário, confirmando a integridade e autenticidade do texto massorético do Antigo Testamento.

   Terceiro, produções de Hollywood como “O Código da Vinci”, “O Corpo”, “Estigmata”, “A última Ceia de Cristo” que se baseiam nesses evangelhos gnósticos têm servido para difundi-los popularmente.

O Evangelho de Judas

   Examinemos mais de perto os dois evangelhos gnósticos que têm atraído recentemente a atenção da academia e do público em geral, que são os evangelhos de Judas e de Tomé.

   O Evangelho de Judas preservou-se em um manuscrito copta do século IV, que supostamente conteria uma tradução do evangelho apócrifo grego de Judas, cuja origem é estimada em meados do século II. A restauração e a tradução do manuscrito copta foram anunciados em 6 de abril de 2006, pela National Geographic Society em Washington.

   Não se trata da descoberta do Evangelho de Judas. O mesmo já é um velho conhecido da Igreja cristã. Elaborado em meados do século II, provavelmente na língua grega, era conhecido de Irineu, um dos pais apostólicos. Na sua obra Contra as Heresias, Irineu o menciona explicitamente, como sendo uma obra espúria produzida pelos gnósticos da seita dos Cainitas. No século V o bispo Epifânio critica o Evangelho de Judas por tornar o traidor em um feitor de boas obras.

   Não se trata também da descoberta de um manuscrito antes desconhecido contendo essa obra. Acredita-se que o único manuscrito conhecido, escrito em copta, foi descoberto em meados da década de 1950 e depois de uma longa peregrinação nas mãos de colecionadores, bibliotecas, comerciantes de antiguidades e peritos, chegou às mãos das autoridades. Sua existência foi anunciada ao mundo em 2004. Trata-se de um códice com 25 páginas de papiro, envoltas em couro, das 62 páginas do códice original. Somente essas 25 páginas foram resgatadas pelos especialistas. A tradução que veio a lume em 2006 é dessas páginas.

   O que é de fato novo é a tradução do texto desse apócrifo, texto até então desconhecido. Contudo, o ponto central que a mídia tem destacado com sensacionalismo, já era conhecido mediante as citações de Irineu e Epifânio, ou seja, que esse evangelho procura reabilitar Judas da pecha de traidor, transformando-o em vítima e herói.

   Várias matérias publicadas na mídia diziam que Judas Iscariotes é o autor desse evangelho. Contudo, não existe prova alguma disso. Segundo o relato dos quatro Evangelhos canônicos, Judas suicidou-se após a traição. Como poderia ser o autor dessa obra? Irineu, no século II, atribuía a autoria do evangelho de Judas aos Cainitas, uma seita gnóstica. No códice descoberto e agora publicado, não consta somente o evangelho atribuído a Judas, mas duas obras a mais: a “Carta a Filipe” atribuída ao apóstolo Pedro e “Revelação de Jacó”, relacionado com o patriarca hebreu. A presença do evangelho de Judas em meio a essas duas obras apócrifas é mais uma prova da autoria espúria desse evangelho. Chega a ser irritante o preconceito da mídia, que sempre veicula matérias que negam a autoria tradicional dos Evangelhos canônicos, mas que rapidamente atribui a Judas Iscariotes a autoria desse apócrifo.

   O manuscrito que agora foi traduzido não data do século II, mas do século IV. Especula-se que é uma tradução para o copta de uma obra mais antiga escrita em grego, que por sua vez dataria de meados do século II. Daí a inferir a autoria de Judas Iscariotes, que morreu na primeira parte do século I, vai uma grande distância. A seita dos Cainitas, segundo Irineu em Contra as Heresias, era especialista em reabilitar personagens bíblicas malignas, como Caim, os sodomitas e Judas. A produção de um evangelho reabilitando o traidor se encaixa perfeitamente no perfil da seita.

   Ao final, pesando todos os fatos e filtrando o sensacionalismo e o preconceito anticristão, a publicação do evangelho de Judas em nada contribuirá para nosso conhecimento do Judas Iscariotes histórico e muito menos do Jesus histórico – servirá apenas para nosso maior conhecimento das crenças gnósticas do século II. Não representa qualquer questionamento sério do relato dos Evangelhos canônicos, cuja autoria e autenticidade são muito mais bem atestadas, datam do século I e receberam reconhecimento e aceitação universal pelos cristãos dos primeiros séculos.

O Evangelho de Tomé

   Esse Evangelho consiste numa coleção de 114 ditos que Jesus supostamente teria ditado a seu irmão gêmeo, Tomé. Ele faz parte da livraria gnóstica descoberta em Nag Hammadi em meados do século passado. O que temos é um manuscrito copta, tradução de uma versão em grego desse Evangelho, datada do séc. III. Calcula-se que o evangelho original deve ter sido escrito no séc. II.

   Não se trata de um evangelho no sentido usual do termo, visto que não contém qualquer narrativa sobre o nascimento, ministério ou paixão de Cristo. Trata-se de uma coleção de ditos de Jesus sem qualquer moldura geográfica, temporal ou histórica que nos permita localizar quando, onde e em que contexto Jesus os teria pronunciado. Calcula-se que foi escrito na região da Síria, onde existem tradições sobre o apóstolo Tomé e onde se sediava a seita dos encratitas, ascéticos que defendiam uma forma heterodoxa de Cristianismo.

   Apesar de trazer muitas citações dos evangelhos canônicos, a teologia do Evangelho de Tomé é abertamente gnóstica. Defende a salvação através do conhecimento secreto e esotérico que Jesus revelou a seu discípulo Tomé. Está eivado das dicotomias e dualismos característicos do pensamento gnóstico mais evoluído do séc. II. Trata-se claramente de uma produção dos mestres gnósticos, que se valeram dos evangelhos canônicos e do nome do apóstolo Tomé para divulgar e espalhar suas crenças.

Como reagimos a tudo isso?

   Apesar de todos os esforços da mídia e dos liberais, não se consegue provar que os evangelhos gnósticos foram escritos no primeiro século. Eles são produções posteriores aos canônicos e que se valeram dos canônicos como fontes. O maior argumento dos liberais para provar que o Evangelho de Tomé, contendo ditos de Jesus, foi escrito no séc. I antes dos canônicos depende da existência do suposto proto-Evangelho “Q”, a qual nunca foi provada.

   O testemunho dos pais apostólicos é unânime em rejeitar esses evangelhos e atribuí-los a falsificações feitas pelos gnósticos com o propósito de espalhar suas ideais e ensinamentos. O conteúdo deles é distintamente diferente dos evangelhos canônicos e da religião ensinada no Antigo Testamento.

   As reconstruções do Jesus histórico feitas pelos que dão prioridades aos apócrifos, especialmente os evangelhos gnósticos, deixam sem explicação o surgimento das tradições escatológicas a respeito dele que hoje encontramos nos Evangelhos canônicos. Nem mesmo a tese da “imaginação criativa da comunidade” defendida pela crítica da forma pode explicar satisfatoriamente como um camponês judeu, com idéias e estilo de vida de um filósofo cínico, praticando o curandeirismo entre o povo simples, cheio de idéias gnósticas, acabou por ser transformado no Cristo que temos nos Evangelhos em tão curto espaço de tempo, e ainda com as testemunhas oculares dos eventos ainda vivas.

Por Augustus Nicodemus Lopes

O Tempora, O mores

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Enfim, Benny Hinn... (parte 1)

   Devido a demanda, postarei aqui algumas verdades que precisam ser ditas sobre Benny Hinn. Como eu sei que você, leitor, assim como eu, (ou pelo menos a grande maioria), não está apto a ler textos enormes em blogs todo dia, vou dividir esse enorme artigo denunciando as mentiras desse falso profeta em algumas partes. Aqui vai uma introdução e um histórico de quem é o cara. No decorrer do mês, postarei mais coisas sobre o fulaninho.

INTRODUÇÃO
   Benny Hinn (ex) pastor do Orlando Christian Center, Orlando, Flórida [A igreja foi renomeada World Outreach Church (Igreja de Alcance Mundial) e mais tarde, Faith World Church (Igreja da Fé Mundial), em 1999, quando Hinn renunciou ao pastorado, transferindo o seu ministério de cruzada e evangelismo para Dallas] é uma das vozes mais prolíficas na chamada mídia “cristã” da atualidade. [O ministério de Hinn informou um registro de arrecadação na base de 100 milhões de dólares ao ano, o que lhe permite manter US$3,5 milhões em casa, gastar US$8.000 em viagens aéreas, US$2.000 em hospedagem noturnas em quartos de hotéis]. Seu livro “Bom Dia, Espírito Santo” ficou na lista dos bestsellers, desde o seu lançamento, em outubro de 1990, tendo vendido aproximadamente ¼ de milhão de cópias, já nos primeiros meses. Em maio de 1992, esse livro era o número 1 entre os publicados, conforme a Christian Reading, uma das principais publicações sobre livros, distribuidores e editores “cristãos”.

    Por causa de algumas declarações um tanto chocantes, na edição original de “Bom Dia, Espírito Santo”, Hinn recebeu críticas de algumas organizações que haviam percebido discrepâncias na sua teologia.

    A crítica mais pública sobre os ensinos de Hinn veio do Christian Research Institute (CRI) [o qual por si mesmo já tem alguns problemas teológicos], o que levou Hinn e sua editora, Thomas Nelson Company, a corrigir o que o CRI havia percebido como heresia. Isso resultou na revisão (por Nelson) do material questionável, nas últimas publicações, as quais, no futuro não iriam conter os ensinos em questão. Mesmo assim, o porta-voz da Thomas Nelson Company, Bruce Barbour (editor) e Bill Watkins (editor sênior), além do próprio Benny Hinn, afirmam que a teologia expressa na edição original em nada mudou, mas apenas foi “esclarecida”.

    Contudo, Hinn declara ter mudado o seu modo de pensar a respeito de outros ensinos, não tratados no “Bom Dia, Espírito Santo”, principalmente sobre a heresia da “morte espiritual de Jesus”, a qual tem caracterizado os mestres da teologia da Palavra Fé, a partir de E. W. Kennyon, passando por Kenneth Copeland, Kenneth Hagin e os demais.

    Apesar de todos esses acontecimentos muitos cristãos ainda estão questionando sobre o lugar de onde veio Benny Hinn. Por causa de sua contínua popularidade dentro do mercado cristão, uma análise dos ensinos de Hinn deve ser feita. [...]

   O Homem - Benny Hinn nasceu em 1953, em Israel, filho de pai grego e mãe armênia. Foi educado na (falsa) religião grega ortodoxa. Hinn afirma que, quando era um garoto de 11 anos, em Israel, Deus lhe apareceu pela primeira vez e, desde então, Ele tem-lhe aparecido. Aos 14 anos, Hinn mudou-se para o Canadá com os pais. Enquanto ali freqüentava a escola secundária, ele diz que tinha visões, nas quais via a si mesmo pregando para enormes multidões. Diz ainda que Deus o curou de um problema de gagueira, para que ele pudesse tornar-se um pregador.

    Contudo, apesar das visões de Deus lhe aparecendo por vários anos, Hinn marca o ano do seu novo nascimento como tendo sido em 1972, quando estava com 20 anos de idade. Foi num culto de Kathryn Kuhlman, no ano seguinte, que ele diz ter tido uma “profunda experiência espiritual”.

   
Hinn admite prontamente que muitos dos mal entendidos que têm aparecido em seus ensinos resultam de sua formal deficiência bíblica. De fato, quase em seguida ao seu novo nascimento, diz ele, “O Senhor me lançou no ministério, quase na mesma noite” [nota do articulista. - Parece que “Deus” estava apressado demais, para que o povo escutasse as heresias de Hinn, hem?].
    Apesar de tais circunstâncias, Hinn fundou o Orlando Christian Center, em 1983. Começando com apenas algumas centenas de membros, essa igreja agora se vangloria de ter uma freqüência semanal de 10 mil pessoas [a recém nomeada Igreja da Palavra da Fé está sendo pastoreada agora por Clint Brown, o qual juntou sua igreja pentecostal, em Orlando, com a igreja de Hinn, quando este se mudou para Dallas, em 1999]. Além disso, Hinn lidera cruzadas mundiais e tem um programa de TV (de 30 minutos - This Is Your Day (Este é o Seu Dia), o qual é visto em mais e 100 países). [nota do articulista. - Satanás é o mais bem sucedido empresário do planeta]. Esse programa vai ao ar através da Trinity Broadcasting Net (TBN), liderado por Jan e Paul Crouch . Hinn também diz que está construindo um “Healing Center” (Centro de Cura) em Dallas, o qual estaria programado para operar 24 horas por dia, com inauguração planejada para 2001. Parte da atração seria constituída de filmes mostrando cultos de curas antigas, liderados pelos mestres do ofício - Oral Roberts, Kathryn Kuhlman, Aimée Semple McPhearson, A. A. Allen, Jack Coe, Lester Sumrall e outros. [Até a data da revisão desta reportagem, parece que Hinn continua arrecadando dinheiro sob falsas pretensões - pois nem um só tijolo foi usado, até agora, em seu “Healing Center”. Agora ele diz que a decisão de retardar o projeto foi divinamente inspirada (23/06/02 - “Dallas Morning News”]. Embora Hinn declare que o seu ministério, através dos anos 1970, foi embasado nos escritos de homens como D. L. Moody e R. A. Torrey, ele foi um forte proponente do “Conhecimento de Revelação”, ou seja, de novas verdades reveladas diretamente por Deus - as quais não se encontram na Escritura. Apenas recentemente, ele declarou que não vai mais confirmar a “Conhecimento de Revelação” como a base dos seus ensinos.

   Mais que isso, Hinn afirma ser um canal divino - que Deus entra nele e toma conta de sua mente e de sua língua, a ponto dele esquecer o que falou. Após o sermão de 31/12/1989, no Orlando Christian Center, durante o qual ele entregou várias profecias para o futuro, Hinn disse que estava embriagado - presumivelmente do Espírito Santo - e pediu que alguém lhe contasse exatamente o que ele havia falado. [nota do articulista. - Pelo visto, o “Espírito Santo” agora está usando os médiuns para revelar o que “esqueceu” de revelar na Bíblia].

   Ficou claro, nos anos 1980, que os falsos ensinos da Palavra da Fé, de Kennyon, Copeland e outros, começaram a ter um enorme impacto sobre Hinn. Porém, logo após o encontro com os críticos do seu livro, Hinn anunciou que já não mantinha os ensinos da Palavra da Fé.

   À medida em que sua popularidade foi crescendo, por causa do seu programa de TV e da enorme vendagem do livro “Bom Dia Espírito Santo”, seus ensinos passaram por uma estreita avaliação através dos ministérios apologéticos. O CRI ficou especialmente alarmado com as referências de Hinn sobre a Trindade, as quais, no mínimo, pareciam nada ortodoxas e, na pior das hipóteses, heréticas. Tanto em seu programa de TV como no livro, Hinn assegurou que as três Pessoas do Deus Trino têm corpos, almas e espíritos, bem como vontades independentes (13/10/1990 – TBN). O que alarmou a maioria dos críticos de Hinn foi a sua declaração de que “Existem nove deles (Espíritos de Deus)”. Alguns teriam entendido isso como havendo nove Pessoas, o que não teria sido o que Hinn disse. “Nove deles” referia-se aos elementos separados da Trindade: 3 corpos, 3 almas e 3 espíritos.

    Hinn é claramente culpado do ensino do “Conhecimento de Revelação” (A verdade divina compartilhada pessoalmente com ele), algo absolutamente não embasado na Escritura. Por causa disso, ele colocou na mente dos que nele confiam uma crença pessoal, como se esta fosse de autoridade bíblica, a qual não é. Conquanto o ensino de Hinn sobre a Trindade tenha atraído a principal atenção no debate entre ele e os ministérios apologéticos, existem outros itens sérios que ficaram em segundo plano da questionável controvérsia - itens esses que, na verdade, conduzem à heresia.

PALAVRA FINAL DO ARTICULISTA

   Então, brevemente eu postarei o resto aqui, fazendo as alterações e ressalvas que acho necessário. Porém, quem quiser ler na íntegra o artigo , clique aqui.