“De boas palavras transborda o meu coração. Ao Rei consagro o que compus; a minha língua é a pena de habilidoso escritor” (Salmo 45.1)
Já reparou como existem novos compositores a cada dia criando músicas, escrevendo letras, gravando CDs, buscando lugar ao sol em plena praia badalada no verão? Nos últimos anos vimos a multiplicação de artistas evangélicos, das produções sem a devida qualidade musical, da conseqüente crise dos estúdios de gravação. Um amigo meu, dono de um estúdio maravilhoso em Belo Horizonte disse que há dez anos atrás seu estúdio era ocupado de manhã, de tarde e de noite. Vivia cheio de gente. Os crentes eram os que mais alugavam para ensaios e gravações. Hoje em dia todo mundo quer gravar em casa mesmo, no computador, com uma plaquinha de som mais ou menos, a abundância de repertório disponível.
Este bom fonográfico tem ocasionado sérios problemas no repertório cristão: a superficialidade e o erro teológico nas letras, além da falta de reflexão acerca da impressão que as músicas causam por causa do estilo, bem como acerca da coerência entre a impressão e a expressão (a mensagem). A “impressão” tem a ver com o sentimento que a música comunica ou a atmosfera que ela gera, só pelo instrumental. Por exemplo, se você ouvir uma música, mesmo sem a letra, também poderá dizer se ela é alegre, triste, misteriosa, etc. Já a expressão tem a ver com o texto que ela subsidia. Então os compositores deveriam pensar se há coerência entre a letra (expressão) e a música em si (impressão). Isso, quando levado em conta na hora de escolher a música que será cantada no culto, favorece uma adoração apropriada sendo a música um meio.
Mas ainda quanto à “expressão”, o problema é quando a letra diz algo que não tem amparo na Bíblia. Os compositores e defensores das músicas ruins e fraquinhas de mensagem bíblica dizem que se trata de “liberdade poética”. Então eu poderia cantar na igreja “como Zaqueu, eu vou subir o mais alto que eu puder e chamar tua atenção”, embora, no texto de Lucas 19.1-10 nada disso tenha ocorrido no caso do baixinho cobrador de impostos, que, curioso para ver Jesus, subiu no sicômoro. Aliás, não foi Zaqueu quem chamou a atenção de Jesus, mas este tomou a iniciativa e, pelo contrário do que diz a letra da música, chamou a atenção de Zaqueu, pronunciando seu nome e se convidando para almoçar em sua casa (porque um publicano não poderia jamais convidar um judeu para comer em sua casa, pois não fazia parte da comunhão na sinagoga). O final do texto mostra claramente que não depende do pecador chamar a atenção de Deus. Antes, é Deus quem toma a iniciativa para salvar graciosamente o pecador: “porque o Filho do Homem veio buscar e salvar o perdido”. Em suma, cantam, ensinam e repetem a música, mesmo com seus erros doutrinários, porque, afinal, é a liberdade poética.
Quero fazer uma consideração sobre a "Liberdade Poética". Esta liberdade tem sido alvo de apelos quando algo da letra é questionado. Veja bem, a liberdade poética sugere que o poeta é livre para não seguir determinadas regras gramaticais. É o caso da música que diz: "inútel, a gente somos inútel", do Roger (Ultraje a Rigor). No entanto, existem limites entre a liberdade e a coerência. Posso ser livre para escrever o que eu quiser, mas precisa ter coerência ou fazer algum sentido. Quando escrevemos poemas sobre o conteúdo bíblico, a liberdade poética se torna serva da Escritura Sagrada. Então podemos escrever com liberdade para nos expressar com os recursos da poética da língua portuguesa, mas com submissão total às Escrituras Sagradas.
Para encerrar esta breve reflexão, pensemos no que devemos fazer então com a liberdade poética na hora compor ou de escolher o repertório do culto ou da vida. Podemos e devemos usar de todos os recursos que a poética da língua portuguesa nos oferece: a metáfora (dizer uma coisa em outros termos aproveitando a associação de semelhança de idéias), o paradoxo (aparente contradição), a zeugma (elipse do verbo), etc. Precisamos ser criativos na hora de escrever e exigentes na hora de ler. Valorize a boa poesia. Isso estimulará os poetas a escreverem melhor. Submeta sempre a liberdade poética à autoridade da Escritura. Se as explicações em demasia são necessárias antes da música, então ela não é apropriada. A letra deveria expressar claramente a verdade da palavra de Deus. Assim, que a liberdade poética não seja uma falácia para comunicar o erro, mas uma ferramenta para que a nossa poesia seja verdadeira e criativa.
Pr. Charles
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