quinta-feira, 8 de março de 2012

Deus castiga?

   Enfim, não vou enrolar. Vou direto ao ponto. Deus castiga ou não? Vejo muita gente falando do assunto sem embasamento bíblico. Tentarei resolver essa problemática aqui nesse post de forma rápida. 
   Primeiro, o que é castigo? Castigo é encarado como uma punição por um ato, como caráter retributivo (você quebrou, você concerta. Se não pode, você paga pelo prejuízo), mas também como algo educativo, quando um pai, e.g., não quer que o filho pague o estrago, mas que aprenda que estragar é errado. 
   Se encaramos o castigo com a concepção de caráter retributivo, então estamos corretos em afirmar que Deus não castiga. Pelo menos não os filhos, uma vez que todo castigo pelo estrago feito de nossos erros já foram pagos por Cristo. ("Havendo riscado o escrito de dívida que havia contra nós nas suas ordenanças, o qual nos era contrário, tirou-o [Jesus] do meio de nós, cravando-o na cruz." Colossenses 2:14). 
   Agora se, por outro lado, conseguimos ver o caráter educativo, com função ética do castigo, então estamos de acordo com:  "Porque o Senhor corrige o que ama, E açoita a qualquer que recebe por filho.Se suportais a correção, Deus vos trata como filhos; porque, que filho há a quem o pai não corrija?"Hebreus 12:6-7
   Assim, vale lembrar também que Deus não necessariamente castiga todo pecado cometido. Ele tem total legalidade para não punir, uma vez que todo o estrago já foi pago. Tem total legalidade pra não castigar de forma alguma, já que o Crente pode se encontrar profundamente arrependido e educado quanto ao malefício do tal deslize cometido. 
   Nestes termos, podemos concluir que Deus castiga sim. Não para punir, mas para educar, e isso, que fique claro, quando lhe aprouver fazê-lo. Não é regra que ele castigará. Se ele castigar, seus olhos não devem ver um carrasco, mas de um pai amoroso tirando a faca da mão de um bebê.

Objeção à reflexão filosófica (III)

Na primeira parte deste breve ensaio abordamos a objeção bíblica no que diz respeito a reflexão filosófica. Na segunda parte vimos a objeção teológica. Agora vejamos na parte III:Objeção Dogmática.


Objeção dogmática

Chamo este ponto de objeção dogmática, pois é a mais infundada de todas as objeções. É pura e simplesmente baseada no senso comum, que por sua vez é o pensamento de quem tem preguiça de pensar. É uma objeção fundamentalista e epistemologicamente desprovida de seriedade. Ou seja, o dogmático apenas versa sobre algo como enxerga este algo, ou como ele aparece ser e não como é de fato. Então, se a maioria dos filósofos são ateus e hostis ao cristianismo, a filosofia passa a ser sinônimo de incredulidade. Ora, quer dizer que se a maioria dos pastores são “a pior espécie de hipócritas”, todos devem ser? Claro que não, Deus tem seus remanescentes, alguns que não se dobram a Baal, inclusive na filosofia.

Quanto a esta precipitada constatação (de que toda filosofia é ateísta) devemos ir com calma. Luis Sayão nos diz que “ainda que fosse verdade, a validade da filosofia não estaria necessariamente ameaçada” (2001, p. 8). Ora, quando você vai ao médico você não está interessado se ele é cristão ou não, mas se ele é um bom profissional. E nem quando lê o jornal e a revista semanal fica questionando se quem escreveu é cristão, apenas queremos a verdade dos fatos noticiada fielmente, e isto porque sabemos que a graça comum de Deus permeia toda a existência, de modo que a verdade é a verdade quem quer que seja seu portador.

Este aspecto ontológico da verdade deve nos fazer lembrar aos dogmáticos que por outro lado, temos filósofos de destaque em toda história que acreditavam de todo coração nas verdades cristãs. Nomes como Agostinho, Anselmo, Aquino, Blaise Pascal e Kierkegaard são grandes exemplos.

Por Daniel Grubba no Soli Deo Gloria

quarta-feira, 7 de março de 2012

Objeção à reflexão filosófica (II)

Na primeira parte deste breve ensaio abordamos a objeção bíblica no que diz respeito a reflexão filosófica. Agora vejamos na parte II: Objeção Teológica.

Tertuliano

Todas as críticas da interação cristianismo-filosofia parecem remontar a Tertuliano (séc. I-II), advogado romano do século III que se converteu ao cristianismo. É bem provável que ele tenha sido o primeiro a questionar o papel da filosofia para a compreensão dos conteúdos evangélicos e também o primeiro a negar aos cristãos o acesso a herança intelectual e cultural para propósitos evangelísticos. Wolfhart Pannenberg (2008, p.18) confirma este dado:

"A concepção de que a doutrina cristã nada tem haver com a filosofia, e que toda ligação com o pensar filosófico seria paga com o preço de sua autenticidade como teologia da revelação, reiteradamente se tem reportado a Tertuliano como seu ancestral ". 

Sua famosa pergunta retórica ecoa até hoje: Que relação há entre Atenas e Jerusalém? Que importância tem a Academia de Platão tem para a igreja? A resposta parece ser clara para Tertuliano: o cristianismo deve se manter distante da reflexão filosófica não importa quão louvável sejam os motivos.

Porém, é no mínimo estranho Tertuliano ter questionado o papel da filosofia, uma vez que ele era alguém versado no conhecimento , apologista da fé cristã e profissional em retórica . No entanto, a resposta parece estar em seu rigoroso ascetismo e exagerado conceito de santidade. Para Tertuliano a igreja deve se manter santa e incontaminada, e este conceito seria o cerne de sua teologia. Wiliston Walker (2006, p. 98) diz que observar as palavras de Deus, segundo Tertuliano, significa uma existência separada do mundo, o qual tinha o culto idólatra dos demônios. Maurice Nédoncelle (1905-1976), filósofo e teólogo francês, também observa que:

"Para ele (Tertuliano), heréticos e filósofos são uma coisa só: fazem as mesmas perguntas, exploram os mesmos domínios, perguntam-se de onde vem o mal, porque e de onde vem o homem, como é constituído o universo, etc. Eles respondem com o auxilio de princípios obscuros que acham peremptórios e que se reduzem a palavras pedantes e ridículas" (1958, p. 33).

Para não fazer injustiça a importância de Tertuliano na história do cristianismo, Norman Geisler (2002, p. 825-826), renomado apologista cristão, sai em sua defesa dizendo que Tertuliano é acusado falsamente de irracionalismo, e que apesar de sua forte influencia na fé, ele acreditava que havia um papel importante para a razão humana na defesa da religião cristã.

Karl Barth

Alister Macgrath (2005, p.260), professor de teologia histórica na Universidade de Oxford e um dos mais influentes pensadores cristãos da atualidade, sugere que a atitude mais negativa diante da interação cristianismo-filosofia, adotada na teologia cristã recente, tenha sido a de karl Barth. Porém, isto não quer dizer necessariamente que Barth fosse contra o estudo da filosofia , ou um antiintelectual. Barth na verdade por seu próprio mérito se veio a firmar-se como um grande intelectual. Sua crítica, no entanto, era contra o uso da filosofia e revelação natural como um ponto de contato (Anknüpfungspunkt) da revelação divina com a natureza humana para fins evangelísticos. Para Barth, Deus não precisa de nenhuma ajuda para tornar-se conhecido. Quanto a este assunto, ele diz:

"Deus não se dá a conhecer pelos poderes do conhecimento humano; só se pode apreendê-lo, e ele só se deixa apreender por causa de sua própria liberdade, decisão e ação" (BARTH apud MACGRATH, 2008, p.30).

A critica que se faz da teologia existencialista de Barth, pelo menos por parte dos apologistas-polemistas da fé cristã, é justamente o caráter fideista do sistema barthiniano. Francis Schaeffer (2007, p.43) em A morte da razão diz que no existencialismo religioso de Barth “não há lugar para a razão e nem ponto de verificação”. E segundo Alister Mcgrath, isto é um problema que se volta contra o próprio sistema neo-ortodoxo barthiniano. Ou seja, como a alegação de Barth é exclusivamente baseada na revelação divina, ela não pode ser avaliada senão por essa mesma revelação, desembocando necessariamente em um círculo vicioso. Em outras palavras, Mcgrath diz que “não existem pontos de referências externos, pelos quais as alegações da neo-ortodoxia possam ser verificadas” (2005, p.145).


Por Daniel Grubba no Soli Deo Gloria

segunda-feira, 5 de março de 2012

Objeção à reflexão filosófica



interação entre filosofia e cristianismo é uma relação de amor e ódio. Desde os primórdios da fé cristã até os dias modernos esta parece ser uma questão ainda não resolvida.

Os que advogam a irrelevância do conhecimento filosófico para o cristianismo, naturalmente se armam de uma série de argumentos filosóficos e sem querer tornam-se contraditórios, pois argumentam mediante um processo que condenam. E foi por esta ironia que o filósofo e matemático francês Blaise Pascal disse: “Zombar da filosofia é, em verdade filosofar” (PASCAL apud SAYÃO, 2001, p.10). Isto é, todo aquele que ridiculariza o exercício filosófico, somente o faz através de uma reflexão filosófica. Entretanto, a questão é a qualidade desta reflexão, se é consistente ou não. Vejamos então as principais objeções dos críticos da interação entre o cristianismo e a filosofia.

Objeção bíblica

A primeira objeção sempre parecer ser esta: textos bíblicos. E é natural que seja assim. Isto porque este tipo de crítico da interação cristianismo-filosofia, pela pobreza de alcance de sua argumentação filosófica, sempre se valerá de algum versículo que encerre a discussão sem maiores reflexões. Seu método argumentativo, em virtude da preguiça intelectual, se dá através do caminho mais rápido e fácil: a recitação de versículos antiintelectuais.

Vejamos apenas dois textos comumente usados para refutar o estudo da filosofia: Colossenses 2.82 Coríntios 3.6

Colossenses 2.8 – Tenham cuidado para que ninguém os escravize a filosofias vãs e enganosas, que se fundamentam nas tradições humanas e nos princípios elementares deste mundo, e não em Cristo.

Uma leitura superficial parece sugerir uma condenação paulina acerca do exercício filosófico. Todavia, um estudo mais detalhado do contexto histórico-religioso da igreja em Colossos deixa claro que Paulo não estava condenando a filosofia em si, mas um tipo específico de filosofia: a filosofia vã e enganosa. De acordo com as evidências externas e internas do texto, é possível que Paulo esteja condenando um sistema de pensamento sincrético, que mistura elementos judaizantes e gnósticos . Além do mais, Paulo era um ex-fariseu, erudito da principal academia judaica do primeiro século (escola de Hillel) e um profundo conhecedor da filosofia e literatura grega (Atos 17.27, 28; Tito 1.13,14). Cabe uma pergunta aqui: Como Paulo poderia condenar algo que, em algumas ocasiões serviram para ele como “ponto de contato” com a cultura específica de um determinado local, conforme mostra com exatidão o registro de sua homilia com os filósofos de Atenas (Atos 17.15-34)?

Coríntios 3.6 – Ele nos capacitou para sermos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do Espírito; pois a letra mata, mas o Espírito vivifica.

Este texto parece ser o mais usado contra aqueles que procuram desenvolver uma vida intelectual no ambiente cristão, principalmente os que declaram seu “amor pela sabedoria” (significado etimológico da palavra filosofia). Eu mesmo cansei de ouvir esta ameaça: irmão cuidado, a letra mata! Na verdade, eu sei que meus irmãos não fazem por mal, pois a sinceridade de sua crítica ao intelectualismo reside no fato de que no processo do acúmulo cognitivo do saber, muitos cristãos se tornam inoperantes e improdutivos no pleno conhecimento do Senhor (2 Pedro 1.5-9). Todavia, uma coisa é a experiência do fracasso espiritual de alguns, outra complemente diferente é usar um texto fora de contexto. Trata-se, pois, de um argumento falacioso.

Como este breve ensaio não tem objetivo exegético, basta elucidar que o texto bíblico em questão não se refere a reflexão filosófica ou ao estudo diligente das letras, mas aborda o perigo do legalismo. Isto é, ao fatal apego a Lei mosaica para a salvação. E por esta razão, a afirmação de Paulo é contundente em dizer que a “letra mata”. A perícope de 2 Co. 3.1-18 é uma questão teológica tipicamente paulina. De acordo com Rick Nañez “a letra a que Paulo se refere é simplesmente a lei da antiga aliança” (2007, p.70).


Por Daniel Grubba no Soli Deo Gloria