segunda-feira, 5 de março de 2012

Objeção à reflexão filosófica



interação entre filosofia e cristianismo é uma relação de amor e ódio. Desde os primórdios da fé cristã até os dias modernos esta parece ser uma questão ainda não resolvida.

Os que advogam a irrelevância do conhecimento filosófico para o cristianismo, naturalmente se armam de uma série de argumentos filosóficos e sem querer tornam-se contraditórios, pois argumentam mediante um processo que condenam. E foi por esta ironia que o filósofo e matemático francês Blaise Pascal disse: “Zombar da filosofia é, em verdade filosofar” (PASCAL apud SAYÃO, 2001, p.10). Isto é, todo aquele que ridiculariza o exercício filosófico, somente o faz através de uma reflexão filosófica. Entretanto, a questão é a qualidade desta reflexão, se é consistente ou não. Vejamos então as principais objeções dos críticos da interação entre o cristianismo e a filosofia.

Objeção bíblica

A primeira objeção sempre parecer ser esta: textos bíblicos. E é natural que seja assim. Isto porque este tipo de crítico da interação cristianismo-filosofia, pela pobreza de alcance de sua argumentação filosófica, sempre se valerá de algum versículo que encerre a discussão sem maiores reflexões. Seu método argumentativo, em virtude da preguiça intelectual, se dá através do caminho mais rápido e fácil: a recitação de versículos antiintelectuais.

Vejamos apenas dois textos comumente usados para refutar o estudo da filosofia: Colossenses 2.82 Coríntios 3.6

Colossenses 2.8 – Tenham cuidado para que ninguém os escravize a filosofias vãs e enganosas, que se fundamentam nas tradições humanas e nos princípios elementares deste mundo, e não em Cristo.

Uma leitura superficial parece sugerir uma condenação paulina acerca do exercício filosófico. Todavia, um estudo mais detalhado do contexto histórico-religioso da igreja em Colossos deixa claro que Paulo não estava condenando a filosofia em si, mas um tipo específico de filosofia: a filosofia vã e enganosa. De acordo com as evidências externas e internas do texto, é possível que Paulo esteja condenando um sistema de pensamento sincrético, que mistura elementos judaizantes e gnósticos . Além do mais, Paulo era um ex-fariseu, erudito da principal academia judaica do primeiro século (escola de Hillel) e um profundo conhecedor da filosofia e literatura grega (Atos 17.27, 28; Tito 1.13,14). Cabe uma pergunta aqui: Como Paulo poderia condenar algo que, em algumas ocasiões serviram para ele como “ponto de contato” com a cultura específica de um determinado local, conforme mostra com exatidão o registro de sua homilia com os filósofos de Atenas (Atos 17.15-34)?

Coríntios 3.6 – Ele nos capacitou para sermos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do Espírito; pois a letra mata, mas o Espírito vivifica.

Este texto parece ser o mais usado contra aqueles que procuram desenvolver uma vida intelectual no ambiente cristão, principalmente os que declaram seu “amor pela sabedoria” (significado etimológico da palavra filosofia). Eu mesmo cansei de ouvir esta ameaça: irmão cuidado, a letra mata! Na verdade, eu sei que meus irmãos não fazem por mal, pois a sinceridade de sua crítica ao intelectualismo reside no fato de que no processo do acúmulo cognitivo do saber, muitos cristãos se tornam inoperantes e improdutivos no pleno conhecimento do Senhor (2 Pedro 1.5-9). Todavia, uma coisa é a experiência do fracasso espiritual de alguns, outra complemente diferente é usar um texto fora de contexto. Trata-se, pois, de um argumento falacioso.

Como este breve ensaio não tem objetivo exegético, basta elucidar que o texto bíblico em questão não se refere a reflexão filosófica ou ao estudo diligente das letras, mas aborda o perigo do legalismo. Isto é, ao fatal apego a Lei mosaica para a salvação. E por esta razão, a afirmação de Paulo é contundente em dizer que a “letra mata”. A perícope de 2 Co. 3.1-18 é uma questão teológica tipicamente paulina. De acordo com Rick Nañez “a letra a que Paulo se refere é simplesmente a lei da antiga aliança” (2007, p.70).


Por Daniel Grubba no Soli Deo Gloria

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